terça-feira, 30 de agosto de 2011

A Polêmica do Tablet


Por Danilo Castro
31/08/2011

Chega de falar do passado condenando o presente. A conjuntura é outra. Não podemos querer que nossas crianças sejam as mesmas que fomos um dia. Cada um vive no seu tempo e deve ser analisado e entendido dentro do seu recorte temporal, por isso não adianta negar a inserção das novas tecnologias nos sistemas de educação, isso faz parte da vida cotidiana e dos processos de mudança que vivemos intermitentemente. São novos rumos que estamos trilhando, mas é preciso cuidado na hora de mergulhar de vez nesse novo mundo. 

Um famoso colégio de Fortaleza lançou uma campanha publicitária no último mês. A polêmica instalou-se. Tablet substitui livros? Na prática, sim. É possível ler os mais diversos livros num aparelho de pouco mais de 20x15cm. Aliás, ler é muito pouco diante das possibilidades com um tablet. Pode-se ler, interagir com os colegas, compartilhar ideias, acessar a internet, etc. Mas esbanjar que “Tablet substitui livros” em letras garrafais em outdoors pela cidade, sem dúvida alguma, foi um grande equívoco. 

Apesar de sabermos que o colégio não irá se desfazer do seu acervo e que este vai continuar disponível para pesquisas e locações, a campanha acaba refletindo o quanto o ensino virou um mercado. As escolas que não possuem tablets já estão correndo para não ficar atrás. Mas será que as instituições de ensino realmente estão interessadas em agregar valor aos seus alunos ao implementarem os tablets no método de ensino ou será essa mais uma forma de suprir a educação de plástico ostentada por uma determinada elite em Fortaleza?

Apesar da potencialização da ludicidade para o estudo, as novas tecnologias reduzem a sociabilidade pessoal para enaltecer a virtual, além disso, com um tablet é possível ter acesso a várias plataformas digitais simultaneamente. Há então uma superabundância de informações que dispersam a atenção do seu usuário. De certo, essas mídias não substituem o livro, até porque que os dispositivos mobile, virtuais, conectados com a internet não permitem a concentração por longo tempo numa única coisa. 

Com um tablet nas mãos, qual aluno vai ficar duas ou três horas lendo Dom Casmurro ou O Guarani na biblioteca? Por isso é preciso pensar no uso dessas novas ferramentas de maneira estratégica para que não criemos craques em tecnologia em detrimento de alunos sensíveis, cidadãos, humanos, sociáveis, éticos. Valores que também devem ser responsabilidade da escola proporcionar.

Depois das gerações X e Y, chegamos em 2011 à geração T, que, segundo as mais novas pesquisas, são os jovens que cada vez mais estão vivendo a tecnologia da informação como extensões do próprio corpo, e, consequentemente, perdendo o senso crítico e analítico, tendo sérias dificuldades na hora de emitir opiniões e aumentando seu potencial de mero replicador de informações.

Talvez um dos maiores poréns seja o fato de que muitos dos nossos alunos hoje estão saindo da escola aprendendo menos cidadania e sendo cada vez mais adestrados para o vestibular e o mercado. O tablet é um mundo de possibilidades, um ganho enorme para o sistema educacional fortalezense, mas é preciso ter cuidado, muito cuidado. Afirmar que ele substitui um livro é compactuar com um método de ensino cada vez mais encantador e descartável.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Jovem cria "barracoteca" na Favela

Por EMILIO SANT'ANNA

DE SÃO PAULO

Otávio Júnior, 27 anos, idealizou e construiu biblioteca em comunidade no Rio. Ele também escreveu seu primeiro livro enquanto os traficantes trocavam tiros com policiais e militares
Enquanto traficantes do Comando Vermelho em fuga trocavam tiros com a polícia e soldados do Exército durante a ocupação dos complexos da Penha e do Alemão, em novembro de 2010, Otávio Júnior, 27 anos, escrevia. Sem poder sair de casa, finalizava “O Livreiro do Alemão” – seu ingresso no mundo dos escritores – e preparava-se para instalar a primeira biblioteca do conjunto de 13 favelas na zona norte do Rio com quase 400 mil pessoas.

“Quando os confrontos eram muito acirrados, eu produzia muito. Escrevia enquanto as balas ‘comiam’ para cima e pra baixo.”

Biblioteca? Na verdade, trata-se da “Barracoteca Hans Christian Andersen” – corrige Otávio. O nome é uma homenagem ao escritor dinamarquês autor de contos como “A Pequena Sereia” e “A Roupa Nova do Rei”.

O local – um antigo salão de forró – no morro do Caracol, Complexo da Penha, funciona desde maio e será inaugurado oficialmente em 22 de agosto, dia do Folclore. Parte dos livros é doação do Ministério da Cultura, o resto foi amealhado por Otávio durante os dez anos em que andou por todo o Complexo da Penha e do Alemão, com uma mala na mão, oferecendo livros emprestados aos moradores.

O investimento foi de R$ 7.000. Como não tinha nem a décima parte desse valor, a solução foi apelar a conhecidos e desconhecidos. “Passei o chapéu, mas passei o chapéu virtual”, diz. No blog Ler é 10 – Leia Favela, o jovem anunciou a Barracoteca. Em três meses reuniu a quantia necessária.

Filho de pedreiro, chamou o pai para reformar o local. Otávio narra em “O Livreiro do Alemão” (Panda Books) como seu amor à literatura se deu quase por acaso. Aos oito anos, saía de casa todo dia para ver as peladas no campo de terra da comunidade. “Naquele dia, passei em frente a um lixão e havia uma caixa com brinquedos velhos e um livro”, conta. “À tarde faltou luz e como não podíamos assistir a televisão preto e branco, lembrei do livro.”

Impacto

O “impacto da literatura” mudou a vida do menino. A paixão cresceu a ponto de, no ensino médio, desenvolver um hábito: matar aula, tomar um ônibus, andar 20 km e ir para a biblioteca do Museu da República, no centro. “Chegava a ler dez livros por dia.” Era então um tempo difícil. A família enfrentava o alcoolismo do pai de Otávio.

“Minha mãe ficou louca quando descobriu. Porém, sabia que eu matava aula, mas estava bem acompanhado.”

Fonte: Folha